um cheiro de tinta exalava do banco em que estava sentado. era branco, de madeira e com suportes de metal pintados de cinza... o banco, é claro. ele era um jovem, por volta de seus dezesseis anos, moreno, cor de chocolate. tinha os ombros largos e um peitoral trabalhado, que ficava bem perceptível devido a posição que se encontrava.
seu pescoço estava jogado para trás, mostrando um alto pomo de adão e deixando suas costas totalmente pressionadas contra o encosto do banco. seus olhos estavam fechados, ele parecia estar pensando. não, na verdade ele não estava pensando, estava concentrado, tentando distinguir os cantos dos passarinhos.
a praça em que ele se encontrava não diferenciava-se de nenhuma praça brasileira e era totalmente cheia dos chamados "ratos com asas", também conhecidos como pombos. eles cantavam com alegria, talvez usando o canto como forma de agradecimento aos vários pedaços de pães que lhes eram jogados. entre os cantos desses vários pombos, quem estivesse atento poderia ouvir um canto diferente. o dono desse canto diferente era um pequeno bentivi que estava pousado no chafariz central da praça.
um cheiro de água podre exalava do chafariz em que estava pousado. era cinza, de cimento e com suportes de também cimento pintados de branco...o chafariz, é claro. ele já não era um filhote, mas não podia ser chamado de adulto, tinha a barriga amarela, sua cabeça era branca, tinha uma espécie de máscara escura nos olhos e suas asas eram pardas. seu bico era fino e preto. apesar de não ser muito grande tinha uma postura glamorosa.
dava pequenos pulinhos pelo chafariz, abrindo as asas e mostrando sua brilhante barriga amarela. cantava com toda sua alma de ave passeriforme. sua cabeça movimentava-se rapidamente, acompanhando todas aquelas pessoas que se encontravam na praça. não, na verdade ele acompanha o barulho que elas faziam.
a praça em que ele se encontrava não diferenciava-se de nenhuma praça brasileira e era totalmente cheia dos chamados "inconvenientes", também conhecidos como seres humanos. eles gritavam de loucura, talvez usassem o grito como algo, mas realmente seria algo complexo demais para bentivis entenderem. entre todos os seres humanos ali, um destacava-se por não ser dono de ruído algum. o dono da falta de ruídos era o nosso já conhecido jovem, por volta de seus dezesseis anos, moreno, cor de chocolate.
o bentevi voou do alto do chafariz em que estava pousado, foi voando calmamente, o mais alto que conseguiu. posicionou-se exatamente em cima do dono da falta de ruídos e de repente deu um rasante, posando no chão a cerca de uma metro do banco em que o rapaz estava sentado, preparou a sua anunciação e quando cantou a primeira sílaba de seu jargão foi surpreendido pelo olhar de um certo rapaz e por um certo estilingue que esse rapaz tinha em mãos e, estava apontando-lhe.
em questão de segundos o olhar do pequeno pássaro encontrou o do jovem, pareciam concentrados no que faziam, cada qual tinha o olhar fixo no fundo dos olhos do outro. e, por um breve momento trocaram de lugar.
o jovem levantou-se, desnorteado, deixando o estilingue cair no chão. parecia sair de um transe, uma espécie de renascimento. deu alguns passos rápidos e olhou para trás procurando o pequeno bentivi, mas foi pego de surpresa por um turbilhão de emoções. sem pensar abriu os braços e correu por entre os pombos da praça, sentia-se verdadeiramente livre. o bentivi estava pousado do banco branco, seus pequenos olhos pretos brilhavam no sol enquanto observava um jovem correndo pela praça. sentia-se satisfeito por mostrar à um jovem a sensação da verdadeira liberdade, liberdade essa que há pouco aquele mesmo jovem tentaria lhe tirar.
"Olhe no fundo dos olhos de um animal e, por um momento, troque de lugar com ele. A vida dele se tornará tão preciosa quanto a sua e você se tornará tão vulnerável quanto ele. Agora sorria, se você acredita que todos os animais merecem nosso respeito e nossa proteção, pois em determinado ponto eles são nós e nós somos eles”.[Philip Ochoa]
aprendizado do texto¹: por mais que pareçam bonzinhos e atenciosos os seres humanos podem dar uma estilingada em você.
aprendizado do texto²: animaizinhos podem não parecer, mas também tem suas sapiências.
beijos a todos. =*