domingo, 28 de março de 2010

números primos.

o céu está lindo, e aqui, só, sinto que ele é meu e apenas. não o divido, não mais. eu que por longos meses procurei incansavelmente alguém pra dividir abraços, cama, quarto e céu, eu que não desisti do amor. olho a minha frente e vejo cor depois de dias inteiramente cinzas. amarelo, roxo, azul, laranja, estão todas ali e são minhas, só minhas. já não quero, já não procuro, dividir.

não quero dividir nada, não quero que dividam comigo. quero inteiro, quero tudo e não pretendo ceder metades. o mundo está girando e o céu se move, espero só a hora chegar.

e quando chegar darei a quem merecer, ou não, meus inteiros, completos e indivisíveis.




"não consigo mais aceitar relações pela metade. em outras palavras, raspas e restos não me interessam." (caio fernando abreu)

quinta-feira, 25 de março de 2010

eu pude te dar um amor tranquilo e você pôde.. bem, você bem sabe o que pôde fazer.

e o que fez. e o que fiz.

quarta-feira, 17 de março de 2010

rouge.

as luzes continuam vermelhas, você me olha ainda sem roupa na poltrona no fundo do quarto, enquando calço o segundo sapato do par. pelo canto do olho, vejo você me olhando, te encaro e em milésimos de segundos você desvia o olhar, para baixo, para longe, suspirando e entortando a boca.

pergunta-me aonde vou.
- você é lindo, sabia?
falo sem dar ouvidos. você me sorri, mas insiste na pergunta. demoro-me abrindo o maço e pegando um cigarro, me adianto à sua tentativa de acendê-lo.
- não, não faça assim. não me pergunte aonde vou, não acenda meus cigarros.
meu cigarro queima veloz, marca vagabunda. como quase todo o resto, cama, lingerie, maquiagem e, principalmente, eu.
- por que você não me conta alguma coisa sobre você?
- você já pensou que pode não existir isso? não existir alguma coisa para que eu possa te contar?
você ri, um riso tristinho. esse é o momento que você desiste, como sempre, e diz.
- você não tem jeito.
- eu não tenho muitas coisas.

olho para você com os olhos cheios de pressa. fica cada vez mais insuportável ficar com você ali, imploro, sem falar, para que você se vista e você sabe disso.
- se você quer tanto que eu me vista, por que você não pede?
você diz e ri, achando-se bastante engraçado, enquanto se veste. eu jamais lhe pediria algo e você, também, sabe disso.

já arrumado e saindo pela porta, você me olha com os olhos brilhantes e sorri um sorriso incrível, é, você é realmente lindo. finjo não te notar indo enquanto aplico maquilagem, em frente ao espelho. lembro que já fui assim, viva, naquele tempo.

as luzes eram brancas e eu o olhava, ainda sem roupa na poltrona no fundo do quarto, enquanto ele calçava o segundo sapato do par.
mas as luzes continuavam vermelhas.

segunda-feira, 8 de março de 2010

the art of leaving.

o ônibus balançava. um solavanco e ela quase caia, segurou desajeitadamente e me olhou com uma careta de força e descontrole. eu olhava pra ela com aquela careta típica de possuidores de fotofobia, olhos espremidos, minúsculos, várias rugas se formando. sentei ao lado da janela, ela sentou ao meu lado.

era meio dia e o ônibus balançava. estava cansado e sentia o cheiro dela chegar até mim. o sono bateu e resolvi me espreguiçar, coloquei, em ato de puro egoísmo, o braço na cadeira dela, por cima de seus ombros. ela me olhou e eu permaneci imóvel, olhei para a janela e não me movi um centímetro, sem mudar de expressão. segundos depois sinto um peso em meu peito. devagarzinho, ela aproximava-se e ia recostando-se, delicada, sem pedir licença.

deixei-a ficar completamente em contato comigo, coloquei meus braços em seus ombros e a trouxe para mim. éramos um homem e uma mulher abraçados em um ônibus, um homem carente e uma mulher carente, exaustos acima de tudo. não sei por ela, mas por mim falo que estava exausto daquilo, de interações com palavras nulas, de rostos sem carinho, de amar e não amar.

a luz do sol quente batia em meus braços, ela brincava com seus dedos por ali, calor de sol, calor de pele. havia tempo que não via tamanha sinceridade em algo costumeiramente tão banal, pele com pele. ela me olhava e sorria.e então o ônibus parou, a porta se abriu.

sentia tanto calor, levantei-me devagar, não encarei, não sorri e pulei pela porta enquanto o carro partia em movimento. senti a luz do sol nos olhos e eles ficaram miúdos e enrugados, andei alguns passos, concentrado, inabalado, acostumado.

o tempo estava tão frio.