as luzes continuam vermelhas, você me olha ainda sem roupa na poltrona no fundo do quarto, enquando calço o segundo sapato do par. pelo canto do olho, vejo você me olhando, te encaro e em milésimos de segundos você desvia o olhar, para baixo, para longe, suspirando e entortando a boca.
pergunta-me aonde vou.
- você é lindo, sabia?
falo sem dar ouvidos. você me sorri, mas insiste na pergunta. demoro-me abrindo o maço e pegando um cigarro, me adianto à sua tentativa de acendê-lo.
- não, não faça assim. não me pergunte aonde vou, não acenda meus cigarros.
meu cigarro queima veloz, marca vagabunda. como quase todo o resto, cama, lingerie, maquiagem e, principalmente, eu.
- por que você não me conta alguma coisa sobre você?
- você já pensou que pode não existir isso? não existir alguma coisa para que eu possa te contar?
você ri, um riso tristinho. esse é o momento que você desiste, como sempre, e diz.
- você não tem jeito.
- eu não tenho muitas coisas.
olho para você com os olhos cheios de pressa. fica cada vez mais insuportável ficar com você ali, imploro, sem falar, para que você se vista e você sabe disso.
- se você quer tanto que eu me vista, por que você não pede?
você diz e ri, achando-se bastante engraçado, enquanto se veste. eu jamais lhe pediria algo e você, também, sabe disso.
já arrumado e saindo pela porta, você me olha com os olhos brilhantes e sorri um sorriso incrível, é, você é realmente lindo. finjo não te notar indo enquanto aplico maquilagem, em frente ao espelho. lembro que já fui assim, viva, naquele tempo.
as luzes eram brancas e eu o olhava, ainda sem roupa na poltrona no fundo do quarto, enquanto ele calçava o segundo sapato do par.
mas as luzes continuavam vermelhas.