cabisbaixo, andava pela rua. olhava a ponta suja do próprio tênis, estudava as linhas vermelhas que a rodeavam e os cadarços que já não eram mais brancos. não era muito de pensar, não enquanto andava. esvaziava a mente, abstraía-se do mundo.
mesmo olhando o chão ainda conseguia tropeçar na calçada irregular. por vezes perdia o equilíbrio, a bolsa em suas costas encontrava-se cheia de livros. voltava da escola.
entediado com idéia de que ainda estava no meio do caminho, começou a olhar as vitrines das lojas que passava pela frente. sempre gostou de olha-las, mas já não era tão divertido olhar as mesmas vitrines todo dia.
já olhava a vitrine da terceira loja do quarteirão, foi quando notou dentro da loja uma coisa realmente estranha. confuso, ele parou para averiguar melhor a situação.
não, o vidro não era espelhado. ele, realmente, estava lá dentro. era o rosto dele, o corpo dele, o cabelos dele. os olhos. até os sinais e as sobrancelhas eram as mesmas.
o medo e a curiosidade misturaram-se num impulso incontrolável. ele entrou na loja. escondeu-se e ficou observando aquele "eu" dele que, como qualquer pessoa normal, ele pensou que não existia.
o outro ele sorria, conversava, era galanteador com as vendedoras. mostrava-se e não temia isso. já ele, o nosso ele, sempre fora travado. tinha tudo pra ser o melhor, mas não passava de um fracasso ambulante.
usando da pouca razão que ainda lhe restava concluiu que aquele cara poderia ser um gêmeo perdido, tal qual essas historia bizarras que aparecem nos programas de tv aos domingos. escondeu-se perto de onde o "eu" dele estava, esperou. mais cedo ou mais tarde alguém falaria o nome dele e toda aquela piração seria resolvida.
depois de algum tempo esperando, acabou distraindo-se com seus pensamentos insanos. quando do nada alguém o chama, a voz vinha de perto da porta. sem pensar adiantou-se e foi até a voz.
sentiu uma movimentação atrás de seu corpo. olhou em direção ao movimento e se viu.
o outro "eu" dele também fora atender ao chamado.