cresci numa família que passa longe de tradicional. e, por isso, não quero dizer que somos hippies ou anárquicos, procuro dizer que somos diferentes do regional e atual conceito de tradicionalidade. sempre houve tarefas a serem cumpridas e algumas flexíveis normas comportamentais, até porque uma casa com seis pessoas exige, no mínimo, alguma organização. mas o que diferencia a minha criação das demais, é o fato da liberdade ter sido sempre fator presente em casa, não que ela tenha vindo inteira, jogada nas mãos de uma criança ainda sem maturidade, mas ela foi conquistável, adquirida. a única coisa que me foi exigida e estimulada durante toda minha vida, e ainda é, foi responsabilidade. não só saber o que é certo ou errado, mas ter a responsabilidade de planejar, fazer o que a vida lhe exige, mesmo que do seu jeito. e assim, mostrando responsabilidade (e um tanto considerável de criatividade) que conquistei toda a liberdade que tenho entre minha família.
não lembro de castigos ou palmadas que tenham conquistado qualquer alteração comportamental em mim, mas lembro de várias conversas com meus pais e irmãos que me fizeram sim, parar e pensar, mudar. aqui em casa não há carrasco, todos são amigos (sem que se perca o respeito) e a demonstração de autoridade jamais superou o cuidado. nunca fui impedida de fazer qualquer coisa que realmente quisesse, mas sempre fui alertada das conseqüências e em quase todas essas vezes não dei atenção e aprendi, da maneira mais difícil, como as coisas funcionam. porque, me desculpe você que obedece e continua ai sem arriscar, só se aprende indo, vendo e vacilando, não há discurso mais dolorido que uma queda, não há conselho que te faça realmente sentir o que vai acontecer. e aí encontro outro ponto que papai e mamãe passam longe dos demais, o protecionismo, a cápsula protetora que os pais costumam construir em volta de seus filhos. entenda, o problema não é proteger, é fazer isso de uma forma errada, construindo paredes de vidro que quando quebrarem cortarão a todos. e elas vão quebrar. a cada dia preso, maior a vontade de liberar-se e, então, chega o dia em que alguém ajuda a escapar ou que você mesmo consegue quebrar as barreiras, e aí os cacos vão para todos os lados. tanto você como os seus pais saem machucados, pois como humanos egoístas que somos, não conseguimos nos por no lugar dos pais que tiveram por tanto tempo aquele ser (nós) só pra eles e agora tem que dividir com o mundo, e eles não conseguem ver que ninguém é dono de ninguém, que as pessoas, mesmo as crianças e adolescentes, são livres.
as três pessoas mais incríveis que conheço são, sem dúvida, meus irmãos. devo a honra/sorte de conhecê-los, como eles são, aos meus pais, outras duas pessoas incríveis que sem pretensão e sem seguir cartilha qualquer souberam ser, literalmente, pais. eram jovens e tinham medo, mas ainda assim trabalharam duro pra formar pessoas de caráter impecável e com bastante responsabilidade. quem diria que o rapaz de cabelo bagunçado e calça xadrez e a moça de cabelo curto e ar rebelde, meu pai e minha mãe, tão diferentes das pessoas consideradas corretas e de respeito, formariam uma família tão centrada, bem objetivada e composta de pessoas tão inteligentes? talvez seja ai que está o segredo, a diferença. ambos nascidos no ceará, batizados, crismados e ateus, frutos da juventude setentista, liberais, politizados, estudados, dois batalhadores que nunca tiveram muito nos bolsos, mas o suficiente nas mãos. e foi com essa carga cultural que passaram o que eu e meus irmãos temos como norte, tendo como ponto principal a idéia de ser livre, mas vivendo em sociedade.
é aí que chego ao ponto que tento alcançar desde o título. os pais levam os filhos aos seus atos pelo o que eles passam, porque um filho é seu, mas a pessoa que ele é não é como você quer, do mesmo jeito que não se escolhe cor do olho do filho, não se escolhe se ele vai ser uma pessoa que necessita ou não de muita liberdade. o que tento dizer é que o pai escolhe o caminho que seu filho deve seguir passando pra ele as direções certas, mas não necessariamente direções fixas que funcionaram com outra pessoa. logo, se ele está seguindo o caminho errado, então o problema está com quem deveria direcioná-lo. de acordo com as direções começamos a distinguir o mundo e criar opiniões, tudo o que pensamos é influenciado por aquilo que nos foi passado pelos nossos criadores. porém, além disso, uma coisa importante que eles devem nos passar é a de deixar a própria influencia deles de lado, para que criemos uma visão própria, formando assim nossa bagagem cultural pessoal.
o que quero dizer é que se hoje sou a livia, 18 anos, sagitariana, solteira, careta, gay, liberal, estudante, atualmente contra o governo, sem religião, sou tudo isso graças ao meu pai e minha mãe, sou porque eles me fizeram assim e me levaram, naturalmente, ao melhor lugar que eu poderia estar. de bem comigo, com o mundo, e por mais brega que pareça, com a vida. sou uma pessoa completa que, tirando questões existenciais mais complexas, sabe quem é e o que quer. sei bem o quanto eles estão orgulhosos de mim e não posso comparar com o tanto que sou agradecida por eles, pelo melhor tipo de educação e relação que se pode haver.