terça-feira, 24 de novembro de 2009

perto do fogo.

ele escreve esta carta. esta, de bordas milimetricamente queimadas por um isqueiro bic qualquer, afanado de um parente aleatório que aparece para o almoço de domingo. as bordas já queimadas e a folha amassada o encaram, move o lápis entre os dedos, ele sabe que deve escrever de lápis. de lápis, pra um dia ela encontrar a carta de bordas milimetricamente queimadas e papel amarelado e só ver poucas palavras ainda escritas, "amor", "felicidade", "eterno". ele riscaria as palavras escolhidas mais forte, sabe que elas ficam. e elas ficam, as palavras. ficam-se as palavras e vão-se os significados. é disso que ele não sabe, ele não sabe que já não há amor que não se apague como grafite, não há felicidade que não se amarele como papel e que não, nem o eterno é eterno. talvez, não existir seja eterno. pois eterno não, não existe.

move o lápis entre os dedos, ainda, o rapaz. os dedos alcançam as têmporas, ele pensa. quem tem que pensar para escrever uma carta de amor? ele pensa. quem sabe já não seja uma carta de amor, seja uma carta descarrego, talvez. uma carta de sentir demais, uma carta de algum sentimento-quem-sabe-até-melhor-que-o-amor. reflete sobre frases, "meu amor queima por você", ele ri e, sem perceber, fala alto: - que brega! e é disso que ele nem sabe, o amor é brega, não é eterno e pode sim, não ser necessariamente o melhor sentimento a se sentir.

a casa toda escura, os carros passam pouco pela rua consumida pela madrugada. ele tem medo. de não conseguir escrever, de não conseguir se expressar, de escrever baboseiras, de escrever e reler e acabar por queimar não só as pontas, mas a carta inteira. e se? e se não fosse amor, e se ela tivesse transando com um cara qualquer nessa exata madrugada, e se naquela manhã ela não tivesse ido a praia, e se? qual seria o destino dessa carta, de amor ou não, que parece não querer ser escrita? e se fosse amor, qual seria a explicação? um mês e meio de ver pôr-do-sol juntos, de completar letras de chico buarque, um mês e meio de corpos quentes se encontrando em noites solitárias. e se ele fosse só mais um romântico, e se ela fosse só mais uma mulher independente que não precisa de ninguém. e se? ele tinha medo.

por que ele mantinha todo esse medo? não sabia. talvez pela dúvida, de amor ou não. pensou então, que não sendo amor, não haveria medo. e parou aí, para lembrar do que mais lhe dava medo, pessoas mortas, altura, acidentes de carro, in-cên-dios, pensou assim, sílaba por sílaba. cabeça de lado, olhar fixo na janela, percebeu ali que era brega e amedrontador, o amor. o sol começava a aparecer, a carta branca apresentava, em seu papel, algumas manchas de suor, mãos nervosas. seria o amor bom, seria ruim? seria real, seria um bonde só de ida? passava os dedos no papel e queria dizer não. não ao amor, ao medo, à impotência de ter, em mãos, uma carta de bordas milimetricamente queimadas e não conseguir escrever. seria importante colocar no papel o que o olhar dela faz ele sentir? seria isso, o amor? ou seria aquilo? o amor?

o sol já lhe batia o rosto de tal forma a fazer-lhe contrair os olhos. resolveu fecha-los. em uma noite onde ia escrever sobre amor, acabou-se numa dúvida a respeito de sua existência. da existência própria também. por que, se não para isso, pra que vivem as pessoas? ele sempre disse que fechar os olhos para raciocinar melhor funcionava. e funcionou, dessa vez. não para achar a resposta do dilema, não para saber o que escrever na carta, não para conhecer mais sobre amor. funcionou para que assim que as pálpebras se acomodassem sobre o conjunto pupila-íris-e-qualquer-coisa-mais, ele a visse. ela, a destinatária da carta de amor ou não.

foi vendo-a, enquanto estava de olhos fechados, numa noite epifanica que virara manhã, que percebeu. ele já não se importava se fosse amor, e que não tivesse medo. que tivesse medo, e que não fosse amor. podia ser algo qualquer. era inegável, ele sentia ela, nele.


"O cheiro dele era tão bom nas mãos dela quando ela ia deitar, sem ele. O cheiro dela era tão bom nas mãos dele quando ele ia deitar, sem ela. O corpo dela se amoldava tão bem ao dele, quando dançavam. Ele gos­tava quando ela passava óleo nas suas costas. Ela gosta­va quando, depois de muito tempo calada, ele pegava no seu queixo perguntando ― o que foi, guria? Ele gos­tava quando ela dizia sabe, nunca tive um papo com outro cara assim que nem tenho com você. Ela gostava quando ele dizia gozado, você parece uma pessoa que eu conheço há muito tempo. E de quando ele falava calma, você tá tensa, vem cá, e a abraçava e a fazia dei­tar a cabeça no ombro dele para olhar longe, no hori­zonte do mar, até que tudo passasse, e tudo passava assim desse jeito. Ele gostava tanto quando ela passava as mãos nos cabelos da nuca dele, aqueles meio crespos, e dizia bobo, você não passa de um menino bobo.

Como nas outras noites, ele a deixou na porta do bangalô 19, quase cinco da manhã, pela última vez. Mas diferente das outras noites, ela o convidou para entrar. Ele entrou. Tão áspero lá dentro, embora cinco estrelas, igual ao dele. Ele não sabia o que fazer, então ficou parado perto da porta enquanto ela abria a janela para que entrasse aquela brisa morna do mar. Ela parecia de repente muito segura. Ela apertou um botão e, de um gravador, começou a sair a voz de Nara Leão cantando These Foolishing Things: coisas-assim-me-lembram-você. Ela veio meio balançando ao som do violão e convidou-o para dançar, um pouco mais. Ele aceitou, só um pou­quinho. Ele fechou os olhos, ela fechou os olhos. Ficaram rodando, olhos fechados. Muito tempo, rodando ali sem parar. Ele disse:

― Eu não vou me esquecer de você. Ela disse:

― Nem eu.

Ele afastou-a um pouco, para vê-la melhor. Ela sacu­diu os cabelos, olhou bem nos olhos dele. Uma espécie de embriaguez. Não só espécie, tanta vodca com abaca­xi. Eles pararam de dançar. Nara Leão continuava cantan­do. A luz da lua entrava pela janela. Aquela brisa morna, que não teriam mais no dia seguinte. Ele a viu melhor, então: uma mulher um pouco magra demais, um tanto tensa, cheia de idéias, não muito nova ― mas tão doce. As duas mãos apoiadas nos ombros dele, assim afastan­do os cabelos, no mesmo momento ela o viu melhor: um homem não muito alto, ar confuso, certa barriga, não muito novo ― mas tão doce. Que grande cilada, pensa­ram. Ficaram se olhando assim, quase de manhã.

Ela não suportou olhar tanto tempo. Virou de cos­tas, debruçou-se na janela, feito filme: Doris Day, casta porém ousada. Então ele veio por trás: Cary Grant, gran­dalhão porém mansinho. Tocou-a devagar no ombro nu moreno dourado sob o vestido decotado, e disse:

― Sabe, eu pensei tanto. Eu acho que. Ela se voltou de repente. E disse:

― Eu também. Eu acho que.

Ficaram se olhando. Completamente dourados, olhos úmidos. Seria a brisa? Verão pleno solto lá fora. Bem perto dela, ele perguntou:

― O quê? Ela disse:

― Sim.

Puxou-o pela cintura, ainda mais perto. Ele disse:

― Você parece mel. Ela disse:

― E você, um girassol.

Estenderam as mãos um para o outro. No gesto exato de quem vai colher um fruto completamente maduro."


caio f. - mel e girassóis.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

o frio passava pelas frestas da janela de madeira. alcançava a de vidro e entrava no quarto. os pêlos da nuca eriçavam-se junto com o vento. essa era a tardinha chegando.

o resto de sol que ainda fazia alcançava as janelas de madeira. elas soltavam aquele cheiro que ainda me lembro. aquele cheiro de saudade.

era só mais um quarto de hotel. normal, normal. a vista era para o centro de tudo aquilo. uma igreja amarela e uma praça. milhares de pessoas passavam por ali. vez por outra até uma espécie de bonde passava por ali.



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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

do me a fucking favour!

Do me a favour, and break my nose!
Do me a favour, and tell me to go away!
Do me a favour, and stop asking questions!
e a única coisa que me vem a mente é a impossobilidade de pensar.
cabeça lateja enquanto todo o resto está parado, mobilidade imóvel.
um músculo na perna pulsa. só. só ele.

não sei o que acontece. não sei o que fazer, falar, sentir.
a cabeça pára de tentar e dá espaço ao corpo.


é, alguns acham que o corpo é a melhor parte mesmo.




ps: queria poder escrever todas os romances, as poesias e as frases soltas que circulam incessantemente em minha alma, e mente. (minto?!)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

insomniac.

seria tão interessante se eu, logo eu, não fosse reparar que o post passado aconteceu as 21:21.
e que, é ele tá pra desistir.




irmãos, gadú, cañas e buarque, cês bem que podiam me ajudar, não?
e um coração que insiste em bater.